18/06/2007

Aristoteles


Aristóteles, nosso contemporâneoSenso comum perpetua idéias do filósofo grego sobre genética e hereditariedade, mostra colunista

Há algum tempo eu planejava escrever uma coluna sobre Aristóteles e já tinha mesmo feito um esboço. Entretanto, procrastinei por receio de abordar um tema tão essencialmente filosófico. Hoje em dia, o saber é visto como estruturalmente fragmentado em pequenos feudos de conhecimento, ciumentamente ocupados por “especialistas”, e a invasão do território alheio é considerada de mau gosto. Na verdade, acredito que esta balcanização do saber é um artefato acadêmico e não reflete sua realidade única. Precisamos deixar idéias e opiniões fluírem sem inibição através dessas fronteiras acadêmicas artificiais. Esta é a essência do pensamento transdisciplinar, que eu abraço. Inspirado nestes altiloqüentes pensamentos, criei coragem e aqui vai o tão planejado artigo.
Pensamento de Aristóteles continua vivo A maioria das pessoas pode acreditar que o pensamento científico de Aristóteles caducou e se extinguiu com a Revolução Científica dos séculos 17 e 18. Quero argumentar nesta coluna que, longe disso, embora o filósofo esteja morto há 2300 anos, suas idéias continuam muito vivas e ainda influenciam a maneira como a sociedade leiga e alguns segmentos da comunidade científica do século 21 pensam e falam sobre hereditariedade, genética e evolução. A teoria de hereditariedade apresentada por Aristóteles foi a mais influente do mundo antigo. Ele corretamente intuiu que tanto o pai quanto a mãe contribuem com material genético para a formação da criança. Entretanto, segundo ele, esta contribuição ocorria por uma mistura de sangues - o sêmen masculino, nada mais sendo que sangue purificado constituía a fonte da vida e da forma, enquanto o sangue menstrual feminino, menos puro, contribuía com a parte material do embrião. Hoje, somos lógicos, nós cientistas sabem que essas idéias estavam completamente erradas. Afinal, conhecemos tudo sobre as leis de Mendel e a estrutura de DNA dos genes. Então, pode o leitor me explicar por que tantos em nossa sociedade continuam a falar em famílias de “sangue ruim” e em aristocratas de “sangue azul?” E por que gira em torno de quem tem “sangue negro” a maioria dos debates recentes da imprensa brasileira sobre as cotas e o Estatuto da Igualdade Racial? Mesmo nesses tempos pós-mendelianos e pós-genômicos as idéias do velho Aristóteles continuam muito vivas! Realmente Platão (428/27-347 a.C.) foi um filósofo que tinha a cabeça nas nuvens, o grande teórico da metafísica. Sua influência sobre o pensamento ocidental foi imensa. O filósofo do século 20 Alfred North Whitehead (1861-1947) chegou a dizer que toda a filosofia não passava de uma nota de rodapé a Platão. Para dar uma pequena medida de sua importância, basta dizer que grande parte da doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana está alicerçada em uma leitura cristã de Platão feita inicialmente por Plotino (205-270) e, mais tarde, por Santo Agostinho (354-430). Já Aristóteles (384-322 a.C.), aluno de Platão (e que aluno!), tinha os pés no chão e estava ligado à terra - foi o filósofo da realidade concreta. Foi ele quem articulou, sistematizou e explicou nossa relação com o mundo empírico. Assim, lado a lado com suas fundamentais contribuições para a ética e para a lógica, foi um cientista experimental e, como tal, o primeiro grande biólogo. A contribuição filosófica de Aristóteles foi fantástica, mas infelizmente não temos aqui o espaço necessário para discorrer sobre ela e vamos nos ater a alguns pontos relacionados com hereditariedade e evolução. Aos interessados, recomendo uma consulta à accessível e excelente História do pensamento ocidental de Bertrand Russell (1872-1970).

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